terça-feira, 23 de agosto de 2011

CAMPONESA

             Pela fresta da janela entra um arzinho gélido, todas as superfícies estão frias e da boca sai aquela fumacinha, além do frio há também a chuva insistente que cai fora torrencialmente e em generosas gotas por algumas partes do cômodo.
            Sobre a mesa a massa de pão inerte que se nega a crescer, as mãos sujas de farinha tentam colocar um cacho teimoso atrás da orelha, no berço uma criança dorme e pelo chão silenciosamente brincam mais duas.
            O velho relógio da parede não funciona mais, pela escuridão que cai dá pra saber que já é tarde. A janta está encaminhada no fogão a lenha, a roupa suja não dá pra lavar por conta da chuva.
            Isabel está em um momento raro, não há nada para fazer. Isso é bom porque ela pode descansar, isso é ruim porque ela começa a pensar. Em uma espreguiçada estica as costas e os braços doloridos e pela cabeça pipocam as lembranças de menina. Lembra dos campos de milho onde corria sem se importar com os leves cortes que as folhas lhe faziam nos braços, dos banhos demorados no rio, da cachorrinha que dormia a seus pés.
            Realmente Isabel nunca esperou nada da vida, ia simplesmente vivendo um dia de cada vez. De repente cresceu, seu coração disparou com um moço bonito que viu na festa da igreja e ele falou com seu pai e lá foi ela embora com ele na carroça junto com a colheita de melancias. Foi um verão tão bonito, tão quente...
            O moço bonito era também amável, lhe trazia mudas de flores e doces quando voltava da cidade, mas falava pouco, quase nada, apenas o necessário.
            Então vieram os filhos, um após o outro. O doutor disse que havia uma maneira de não ter mais, o moço bonito não quis nem ouvir: “filho é coisa de Deus, se ele manda a gente cria!”. Os filhos também eram bonitos, macios e alegres.
            Mas nestes momentos que Isabel parava, parecia se dar conta de um enorme vazio que dentro dela existia. Ela era a esposa do moço bonito, a mãe de três lindas crianças, a filha dedicada que ajudava os pais velhos e doentes, a beata de oração fervorosa na igreja, a dona de casa zelosa, porque tudo que dependia dela estava sempre na mais perfeita ordem, não havia nada fora do lugar.
            Tirando todos esse personagens, quem era Isabel? Nem ela mesmo sabia dizer. Continuava vivendo um dia de cada vez, sem medo do futuro e nem arrependimento pelo passado. Sendo levada como uma folha seca e sem vida pela correnteza.