O universo das palavras escritas sempre me fascinou, lembro que desde muito pequena e sem saber o que aqueles símbolos significavam ficava um bom tempo a contemplá-los. Passei a primeira infância em um local ermo e com muito contato com a natureza. Pertencia a uma família que trabalhava informalmente, mas era bastante atarefada. Raramente tinha contato com pessoas estranhas e vez ou outra encontrava algumas embalagens que continham os símbolos mágicos.
Lá de vez em quando, alguém lia alguma coisa pra mim e era tão impressionante que não importava a quantidade de vezes que se lia, o que estava escrito era sempre a mesma coisa, então isso me fez pensar que aqueles risquinhos tão miúdos deveriam ter algum sentido.
Um tempo depois começaram a aparecer os gibis que a minha irmã mais velha lia. Como era bom poder olhar as imagens e ouvir as histórias, foi nesta época que percebi que meu nome também poderia ser representado por aqueles tais símbolos e assim, não sosseguei até aprender a escrever, ia aqui e ali juntado sons e decifrando palavras até que acabei lendo.
A escola nunca me foi muito atraente, confesso que gostava mesmo era do lanche. Lá haviam poucos livros e os que tinham só era permitido pegar e escrever com a autorização da professora. Mas mesmo assim eram muito chatos, só gostava deles no primeiro dia quando tinham aquele cheiro maravilhoso de novo, mas não se podia folhar muito, pois havia o risco de sujar ou rasgar.
Então os livros da minha irmã eram melhores e tinha histórias mais interessantes, ela já estava no final do ensino fundamental e seus livros traziam, crônicas e poesias, enquanto que os meus era: “Papai passa pomada na panela”.
Mas mudamos para a cidade, era uma região suburbana, e a quantidade de embalagens cresceram e se multiplicaram. Haviam bulas de remédio, receitas nos pacotes de açúcar, nunca gostei de culinária mas era interessante olhar a lista de ingrediente e admirar a foto colorida do quitute.
Então entrei para a adolescência, e minhas amigas românticas tinham as terríveis “Sabrina, Bianca, Júlia...”, eram medonhas, mas como não havia nada mais interessante... Até que chegou aquela coleção, para gostar de ler. Essa sim, que delícia não conseguia parar até chegar à última página. Fiz amizades mais requintadas e conheci a Agatha Christie e o Sidney Sheldon, e finalmente fui estudar já no ensino médio no centro da cidade e entrei no mundo maravilhoso da biblioteca, com ela veio Milan Kundera, Ernest Hemingway, Jô Soares, Jorge Amado, Arnaldo Jabor e tantos outros. Na verdade o autor nunca me chamou muito atenção, a escolha do livro começava pelo título, seguia para a contracapa e se conseguisse chegar até as orelhas ele tinha me conquistado e já o levava comigo.
Essa curiosidade de prestar mais atenção ao autor, me veio agora este ano com uns encontros para literatura que estou participando, onde me pediram sugestão de livros. Lembrei vários títulos e me veio um vazio em relação aos autores, me recordo de bem poucos e mesmo assim apenas o nome. Senti tanto constrangimento em ter um contato tão íntimo com alguém, e nem saber seu nome. Porque através do livro tenho acesso ao mundo interior de uma pessoa, tenho ali muitas situações que olho no olho certamente não contaria a ninguém. Leio as histórias que devem ter levado tempo e energia para serem construídas página a página e que me deram tanto prazer. Só que depois de terminar, fechava o livro e lhe virava a costas em busca de outro sem nem me interessar pelo nome do autor.
Então, estou aqui publicamente me desculpado e prometendo que daqui por diante serei mais gentil e atenta. Continuarei agradecida por receber tanta atenção e apoio de todos esses autores que com sua dedicação e talento me ajudaram a ser eu mesma, me levaram a descobrir meus gostos e preferência e acima de tudo me fizeram companhia, foram meus conselheiros, me levando a sorrir e chorar, ensinando, envolvendo, dando possibilidades.
Hoje estou professora e me encontro semanalmente com 15 turmas. Desenvolvo atividades nas áreas de Arte e Literatura que são amplas e complexas, onde não existem notas e a avaliação está relacionada ao nível de compreensão e apreciação dos alunos com relação à arte, bem como ampliação do gosto literário e ações que os levem a realizar leituras fluidas e prazerosas. Posso garantir que não é fácil, mas antes isso do que ter que trabalhar.